segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Diário de Férias Parte II

Diário de Férias Parte II
Hoje acordei ao som agradável do meu despertador mudo de férias, olhei para ele e reparei que estava no ano de 1968. Incrível, será com certeza um dia especial, preciso verificar em minha mala se trouxe roupas adequadas. Levantei e sentei-me à escrivaninha pra redigir uma carta rápida à minha amiga Jane Austen, na tentativa de explicar sem detalhes que não poderia comparecer ao almoço combinado.
Querida Srta Austin, espero encontra-la em plena animação e inspiração ao receber a missiva. (quis dizer tomara que esteja se entretendo nas festinhas idiotas da corte com as fofocas bizarras que alimentam seu espírito literário). É com muito pesar que lhe comunico minha impossibilidade de comparecer ao almoço em Netherfield Park. Lamento profundamente avisa-la momentos antes do festejo, mas motivos familiares são inquestionáveis e, tenho certeza, merecem sua absolvição. Peço que receba minhas desculpas e a promessa de vê-la tão logo re-estabeleça a situação. Saudações L.C.

Claro que não contei a ela que acordei quase 160 anos após a data do convite para o almoço, ela jamais compreenderia. Além disso, podemos adiar por mais um tempo nossos comentários, amenidades e frivolidades a cerca  da mocidade do século que passou.
O telefone tocou e era meu amigo Celso, disse que havia comprado um carro novo, um sedan espetacular, moderno e veloz,  e que gostaria de passear pela cidade com suas amigas mais queridas, rever seus amigos músicos favoritos, e com certeza aquela máquina maravilhosa nos proporcionaria esse deleite.
Aprontei-me rapidamente e logo chegou o rapaz veloz e furioso buzinando seu Aero Willis novinho, marrom e bege, um primor. Entramos no carro e seguimos pelo centro moderno de São Paulo, Viaduto do Chá, o retrato do crescimento da cidade que não pode parar. Abri a janela do carro e coloquei meus olhos para fora, a admirar seus prédios altíssimos, modernos, arrojados, e pensei...esta cidade há de crescer muito ainda.

Estacionamos o carro e caminhamos para a Praça Antonio Prado, sugeri o encontro com os amigos ilustres num bar que freqüento há muito tempo, onde a música é a anfitriã, a cultura o cardápio e o preconceito é barrado na porta. Fomos recebidos pelo proprietário São Jorge com euforia, que nos reservou a melhor mesa, aquela próxima ao grupo de músicos, nenhum pop star é claro, mas todos bastante promissores, acredito eu. O primeiro que avistei foi Antonio Calado, na verdade ouvi lá de fora o som de sua inconfundível flauta, e sua amiga Chiquinha Gonzaga estava num canto autografando seu novo CD, com a música do momento, Atrahente, estourada nas paradas de sucesso. Sou louca por essa música...
Nos sentamos embevecidos com o som delicado, fino, para ouvidos requintados, e logo nos foi servido uma iguaria espetacular da casa do amigo Jorge, um cozido de carne com batatas bem temperado a moda brasileira. Cá pra nós nem acreditei que o Jorge preparasse tal prato, acho que no máximo ele executou o animal e arrancou-lhe o couro e os olhos, e provavelmente a Tia Nastácia deve ter se arranjado na cozinha pra criar o prato pro guerreiro. Mas tudo bem, a final o objetivo do Jorge é matar... a fome é claro.

Lá pelas tantas os compositores mais jovens começaram a chegar, foi um verdadeiro “ Forro-bo-dó” boêmio...Era a era do rádio e todos que brilharam na sequencia, Francisco Alves, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Noel Rosa, Aracy de Almeida, Pixinguinha, Lupcinio Rodrigues, e outros tantos.


Esses moços, pobres moços. Se soubessem o que sei. Não amavam, não passavam...aquilo que já passei.


Pronto! inaugurou-se aí a Rádio Nacional em nossa vida, e nós tinhamos que aproveitar o momento, a vida boêmia irá subtrair a muitos deles em questão de horas, e esses serão degredados ao juizo final, não comprovado, precocemente (sei disso porque frequenteio catecismo).
Foi um dia muito especial, a música é para o ser quase humano muito especial, mas suspeito que esse animal supostamente racional ainda não percebeu isso...
Voltamos para casa na máquina 1968, abraçados pelo inconveniente fantasma do inverno, que andava a assombrar a primavera.
Em casa, de volta ao Planeta Férias tomei um banho rápido e ecológico, trajei-me com meu vestido mais luxuoso, bordado com pedrarias, e fui me deitar em meu colchão de molas absolutamente confortável (e eu mereço isso), e me pus a minhocar:
- O mundo já foi muito mais romântico, foi sim, não sei se mais ou menos verdadeiro, mais ou menos monogâmico, mas já houve mais romantismo sim, e muito melhor externado, soprado pela flauta de Calado, pelo gorjeio apelativo de Lupcínio...Foi na Era do Respeito, foi sim.

Mas as coisas mudam de país para cidade, de mundo para planeta, de religião para região, de cultura para solidão... Ouvi até dizer que num Pais lá longe, na América do Sul, as pessoas amam ao som de bandas como Busão do Tigrão, Tutti quebra Barranco e MC não valho nada.
Mas Graças a Zeus, que aqui no Planeta Férias, ainda é tudo é diferente, aqui o delírio é o pão nosso de cada dia.
Salve Jorge!

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